
Olhares: InteligênciaS - Parte (3/3)
O que é inteligência? Como a psicologia e a neuropsicologia podem contribuir para essa conversa?
Para além do intelecto: inteligência emocional
1. Como essas relações entre todas as coisas que a gente foi falando agora pouco, tanto de inteligência, como diferenças que são culturais, questões que são mais enraizadas, pensando agora que a gente falou de educação também Como essas relações entre inteligência, diferenças culturais e questões enraizadas, incluindo a falta de acesso à educação, impactam nossos pensamentos e emoções? Como essas coisas se interligam?
Daniel: Acho que isso está muito relacionado à autoestima. Aqui no Brasil, por exemplo, as pessoas que vivem em regiões mais remotas podem se sentir com baixa autoestima quando têm a oportunidade de ir para outras regiões de grandes centros, com polos educacionais de referência, ao tentar realizar provas ou atividades. Então, é muito comum ver uma chateação, uma autocobrança muito grande em cima delas. Mas, assim, elas saíram de um contexto que é totalmente diferente do que estavam acostumadas. E se você pegar uma pessoa de um grande centro, por exemplo, e levar para a região dela, para ter o estilo de vida dela, será que essa pessoa teria um desempenho tão bom quanto o dela na região de origem? Então, fica esse questionamento. Isso está muito ligado à autoestima, ou seja, como a pessoa se enxerga, o que ela compreende das raízes, de onde está, para onde vai, e quem ela é, e quem é o outro. Em questão de pensamento e emoção, e como essas relações da Inteligência Emocional podem impactar, vão muito além disso… vai da autoestima, do autoconhecimento mesmo. Se você está seguro de si e entende quem você é, saberá distinguir entre sua essência e suas diferentes ‘personas’. Por exemplo, você é a Gabriella, mas se comporta de maneira diferente com seu namorado, chefe, amigos ou família. Isso não significa que você não é autêntica, apenas que ajusta seu comportamento ao contexto. Então, essa parte de inteligência emocional, eu acho que muita gente tem dificuldade em identificar essas personas. Tem gente que vai lá e pensa: “Não, mas eu me sinto falso sendo assim com as pessoas”. Será que você é falso mesmo ou você só não está inteiro ali? Ou ainda, às vezes é comum cometer gafes por falar muito mais que o necessário. Então, acaba sofrendo represália, porque também é uma questão de você identificar o contexto em que está inserido. É muito importante tanto para você fazer bem para você mesmo, nas suas atitudes e ficar sossegado com isso, quanto para com o outro também, para você não falar alguma coisa e o outro de repente se sentir ofendido. E isso é uma coisa que você também só consegue com a experiência. Uma pessoa de uma região remota que vem para São Paulo, por exemplo, não deve se sentir com baixa autoestima por não ter vivido esse contexto antes. É natural cometer gafes e ter dificuldades iniciais. Só com a experiência e a coragem para aprender com os erros ela poderá se adaptar e crescer. E ter coragem de identificar que o erro faz parte do aprendizado ajuda a lidar com isso da melhor forma possível.
Gabriella: Exatamente, faz todo sentido, né? A gente precisa dos erros para evoluir também.
Daniel: Sim, e outra coisa, ninguém faz nada pensando em errar. Ninguém erra de propósito.
2.Há alguma maneira de desenvolver e melhorar nossa capacidade de gerenciar as emoções?
Daniel: Sim, primeiro de tudo, precisamos identificar o que é uma emoção e o que é um sentimento. Você não tem como falar “ah, como é que eu identifico a emoção, né? Como é que eu trabalho com isso?” se você não sabe o que é. Então, é uma coisa que precisa ser trabalhada e discutida em outros lugares, mas é algo que está sendo discutido praticamente agora. Mesmo quem trabalha há tempos com isso sabe que tem teórico que se ‘embanana’ nessa definição.
Gabriella: Não há um consenso único na literatura sobre o estado de humor, emoção, sentimento…
Daniel: Não há. A emoção, se você for trazer para a literatura em um conceito concreto, vai muito para o biológico, né? Então, a emoção é uma resposta biológica ao ambiente em que você está inserido. Por exemplo, Antônio Damásio diz que temos as emoções mais primitivas, as emoções simples e as emoções complexas. Então, por exemplo, o choro é uma emoção primitiva, é a primeira emoção que sentimos. A primeira coisa que fazemos quando nascemos é chorar. Como no filme “Divertida Mente”, temos raiva, alegria, tristeza, medo e nojo, que são emoções mais simples. Depois, o cérebro vai maturando e entram as emoções mais complexas, como a inveja, a angústia e a admiração. Essas são as emoções, realmente, são respostas com ligação fisiológica. Aí temos a interpretação teórica em cima disso e temos o sentimento. O que é o sentimento? Sentimento é uma interpretação da situação. Acho que, para ficar fácil das pessoas entenderem, podemos fazer uma analogia com o barco e o navio. O navio é muito grande, então, por exemplo, o Titanic tinha muitos barcos dentro dele. A ideia é que um barco cabe no navio, mas um navio não cabe no barco, entendeu? Então, vamos pensar em um sentimento… O amor, por exemplo. O amor é uma interpretação subjetiva de cada indivíduo. Se você vê uma pessoa de quem gosta, a tendência é ter uma resposta fisiológica, como taquicardia, suor nas mãos, arrepio. Agora, por exemplo, a pessoa que você ama ou com quem você convive, o que isso traz em respostas para o comportamento? Já ouvi: “Pô, meu dia com essa pessoa fica melhor. Eu como melhor, durmo melhor, converso sobre coisas que gosto mais e me sinto mais inteligente.” Então, o que cabe dentro do amor? Alegria, felicidade, tristeza, pode caber também… Vai que você brigou com a pessoa que você gosta e cabe ali tristeza em algum momento, pelo desejo de ficar em paz e tranquilo na companhia do parceiro. Então, essa parte do sentimento se encaixa nessas emoções. Ela pode comportar muitas porque vai de subjetividade, contexto, cultura e natureza das relações. Outro sentimento que podemos observar é o luto. E o que cabe no luto? Cabe a tristeza, a angústia, essas emoções, cabe o choro… Tal qual o amor, que também cabe o choro de felicidade. Então, se você for separar por isso, consegue observar que as respostas fisiológicas são quase as mesmas em contextos diferentes. É comum nos depararmos com a pergunta: “Como é que eu faço para observar o que estou sentindo?” A TCC ajuda muito com isso. Tem uma situação no ambiente que desencadeou o pensamento automático que você não teve controle... O que você sentiu? Qual emoção daquela hora? > - Ah, eu tive vontade de chorar. > E qual sentimento envolvido nisso? > -Ah, eu me senti incapaz, me senti humilhado > Ou seja, um sentimento de humilhação. > E por que você sentiu isso? > - Porque me senti triste. > E por que você se sentiu triste? > -Por ter vivido uma situação de não ter conseguido um trabalho e fiquei pensando: “Como é que vou pagar meu aluguel? Vou morar na rua?”.
A maioria dos registros feitos no RPD vai de encontro com a questão da sobrevivência. E voltamos ao contexto biológico: “Então, se eu não tiver trabalho para ganhar dinheiro, como é que vou pagar a conta de água e luz?” Em situações como essa, a própria ansiedade, que é uma resposta fisiológica clássica, toma forma. Um meio interessante para as pessoas compreenderem o que estão sentindo é fazer um fluxograma de emoção, depois um fluxograma de sentimento, e estudar isso. No dia a dia, quando acontece algo, você não vai conseguir parar ali e falar: “Ah, deixa eu ver o que estou sentindo.” Não vai… Podemos até usar o RPD, que usamos em alguns pacientes em contexto clínico, que é o registro de pensamento diário ou registro de pensamento distorcido. Mas na hora, se a pessoa está chorando, deixa ela chorar. Às vezes, a pessoa está com aquele impulso forte de chorar, mas como é uma emoção primitiva, não tão aceita, ela engole o choro. Mas, uma hora, ela tem que soltar esse choro e é necessário tanto para o psicólogo quanto para o paciente observar e identificar o porquê da vontade de chorar, e saber contextualizar. Percebo, às vezes, que a maioria dos pacientes na clínica não consegue se organizar em estabelecer começo, meio e fim em seus relatos, quando envolvem emoções complexas e difíceis de lidar. Mas por que as pessoas costumam fazer isso? Acredito que é porque não fomos educados a entender e expor o que sentimos sem sofrer retaliação ou repressão. E em cima deste tema, acredito que cabe a discussão sobre a importância de ensinar inteligência emocional nas escolas, na primeira infância, na pré-escola. Acho que isso pode melhorar muito a relação humana na sociedade. Por exemplo, tem a questão dos meninos, né? Que homem não chora. Porque é uma emoção mais primitiva e isso pode denotar uma fragilidade. E o homem não pode ser frágil, tem que ser forte. “Se chorar não é permitido por ser considerado frágil, o que me resta a não ser a raiva?” Em que eu demonstro meu sentimento de frustração sem dar a entender que estou “frágil”. Então, você vê que as relações dos homens, dos meninos, a agressividade está muito mais presente do que nas relações das meninas. E, às vezes, chorar vem da raiva e não da tristeza.
Gabriella: Sim, sim, acho que tem muitas particularidades ainda nesse meio do caminho. Então, só para recapitular, o primeiro passo é identificar e acompanhar essas emoções, esses sentimentos, essas interpretações todas que a gente vai colocando, como uma forma de ficar mais consciente, de entender o próprio funcionamento, para depois saber o que pode ser utilizado e como mudar e melhorar o que não está funcionando tão bem. Nesse cenário, a TCC de fato ajuda muito. E acho que aqui a gente tem um gancho para a pergunta final.
Como podemos usar nossa inteligência a nosso favor como pessoas e também como espécie?
Daniel: Bom, aí é bem complicado, né? Se você for levar em consideração a questão da inteligência. Vamos pegar como exemplo a fissão nuclear: podemos usá-la para criar energia e abastecer uma cidade inteira, ou podemos fazer uma bomba para atacar e destruir um país inteiro. Você pode usar energia para abastecer uma cidade inteira ou para destruir.
Gabriella: A ideia é pensar como podemos usar isso a nosso favor, de forma construtiva. Acho que faltou essa palavrinha ali na pergunta. Como é que a gente pode usar de forma construtiva? Vamos pensar que essa habilidade todos nós possuímos em algum nível, cada um dentro da sua particularidade, mas como é que a gente pode usar isso a nosso favor, já que é algo tão importante para as espécies de uma forma geral, né?
Daniel: De novo, eu acho que o meio para isso é ter profissionais que sabem muito sobre inteligência emocional e colocá-los em todos os ambientes possíveis, né? Pois a maioria dos ambientes hoje em dia são tóxicos, cá entre nós, né? Mas pode-se colocar na escola, ensinar desde a infância, e pensando nas próximas gerações que estão por vir. Acho que pode ser um caminho, pelo menos para o respeito. Então, se pensarmos em formas assim, é focar realmente na educação. Não estou falando de governo, nem de outras entidades em si, mas do que é mais inato. Então, observar um problema e ser capaz de se doar para aquilo, dentro do que você pode. Vai muito pelo respeito também. E respeito é algo que tem muita discussão. Para mim, é muito negativo a pessoa que fala “Você tem que merecer o meu respeito”, porque respeito, para mim, é algo universal. Você tem que respeitar todo mundo, respeito é um direito de todos. Admiração é uma coisa individual, mas até a pessoa mais asquerosa que você possa conhecer merece respeito. Os samurais, quando lutavam, a primeira coisa que faziam era se cumprimentar. Então, acredito que a inteligência sem respeito não é nada.
Gabriella: Eu acredito nesse caminho também da educação, como algo que tem potencial de transformar e informar. Então, se pensarmos na espécie como um todo, entender mais sobre isso é um caminho de transformação possível dessa forma construtiva que estávamos falando agora.
Daniel: É aí que entra meu exemplo da primeira resposta. Fazer uma fissão nuclear para reabastecer a energia de uma cidade é uma questão de respeito ao ser humano, respeitando as pessoas que estão trabalhando por um bem comum. Pode haver todos os problemas com a energia nuclear, mas é muito mais positivo do que fazer uma bomba para jogar em outro país. Acho que o respeito às futuras gerações, ao meio ambiente, a todo ser vivo, e até ao próprio planeta Terra e aos outros planetas também, é fundamental. Acho que exagerei um pouco na proporção.
Gabriella: Não, imagina, foi ótimo. Tem alguma mensagem final que você gostaria de deixar para quem estiver lendo esta matéria sobre inteligência?
Daniel: Não se subestime. Seja carinhoso com você mesmo. Tenha respeito por você mesmo. Procure se conhecer melhor, faça coisas novas, se permita viver a vida que você merece. Se você conseguir fazer isso e entender isso, então você é inteligente o suficiente para viver uma vida boa.
Gabriella: Muito bem, muito obrigada!



