Olhares: InteligênciaS - Parte (1/3)

O que é inteligência? Como a psicologia e a neuropsicologia podem contribuir para essa conversa?

Gabriella Macedo

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No mundo pelo qual viajo, estou me criando incessantemente.

Frantz Fanon

A inteligência humana sempre foi um tema fascinante e complexo, explorado por diversos campos do conhecimento. Desde as primeiras tentativas de mensuração até as teorias contemporâneas, cientistas e estudiosos têm buscado entender o que nos torna únicos e como nossa inteligência se compara com a de outros seres vivos. Nesta matéria, abordamos as diferentes teorias sobre os tipos de inteligência, a evolução da mensuração de habilidades cognitivas e as distinções fundamentais entre a inteligência humana e a de outros animais, e para entendermos mais desse tema, teremos como convidado de hoje o Psicólogo Daniel Amadatsu.

Daniel Amadatsu é psicólogo clínico e especializando em neuropsicologia.

A entrevista está dividida em três blocos de três perguntas e ao final de cada página há um botão que te levará a próxima parte. Aproveite!

Saber ou não saber, eis a questão

1. Afinal de contas, o que é inteligência?

Daniel: Geralmente as pessoas costumam dizer que a inteligência é a capacidade de adquirir informação, pensar de uma forma lógica, ter um pensamento mais abstrato (de pensar em diferentes ideias e ver as relações entre elas). É como quando você vai resolver um problema e considera as variáveis, muitas pessoas dizem que pessoas inteligentes costumam se comunicar bem, de forma clara. Ou seja, se expressar com fluidez e ter domínio em alguma área do conhecimento que seja, por exemplo, a pessoa que estuda engenharia domina muito o conhecimento em engenharia. Enfim, tem outras habilidades. Em termos acadêmicos, conceito que a psicologia trabalha ou, por exemplo, no conceito da psicobiologia, entendemos que existem dois tipos de inteligência. Na verdade, é como se separássemos o que o senso comum já conhece, só que para ficar fácil para a gente estudar a gente separa, então existe a inteligência fluida e existe a inteligência cristalizada. Para resumir e ser o mais claro possível, a inteligência fluida é como se fosse a sua capacidade de entender um conteúdo sem nunca o ter visto antes e a forma como você entende as estratégias que são suas ou inatas, e a velocidade que você consegue entender algum tema, algum conteúdo ou perceber algum problema. A inteligência cristalizada meio que vem depois da inteligência fluida, né? É o tipo de inteligência que você precisa acessar dados do que você já aprendeu, que ficaram no seu “HD”, dados da sua memória, então, por exemplo, a habilidade de andar de bicicleta, porque você aprendeu, teve contato com a inteligência fluida e isso ficou armazenado na sua memória, ou pode ser, por exemplo, algo que você não necessariamente viveu, mas algo que você estudou e conheceu, então você pode dizer quem descobriu o Brasil, que foi Pedro Álvares Cabral. Você viu isso acontecer? Você estava lá? Não. Mas você estudou e aquilo fica armazenado na sua cabeça, geralmente relacionado a uma categoria, e quando eu te fizer uma pergunta, você retoma esse conhecimento e usa como estratégia para responder essa pergunta... respondi?

Gabriella: Respondeu, respondeu sim. Acho que como você trouxe, a inteligência é um conceito que é quebrado em dois né, ou melhor, quebrado em partes para poder ser entendido e talvez cada autor ou cada área vai trazer de uma forma esse conceito. 

Daniel: Sim, é isso, acho que esse é o conceito mais simples, mais popular, e mais fácil de explicar para pessoas que não estudam inteligência. Porque existem várias outras teorias, né? Porque, na verdade, isso que estamos comentando aqui é uma teoria.

Gabriella: Existem muitas teorias para explicar uma mesma ideia, e nem sempre tem necessariamente um consenso entre elas, né?

Daniel: Exatamente, até tem, mas é muito difícil você ver essas teorias de inteligência mesmo, de uma querer anular outra sabe? Porque como é um tema complexo, a impressão que tenho é que todos estão mais tentando contribuir do que descartar.

2. Existe mais de um tipo de inteligência? Como a ciência entende isso?

Gabriella: Essa pergunta já foi em partes respondida na primeira, você nos explicou que hoje há essa divisão bem aceita entre inteligência cristalizada e fluída, existem outros tipos de inteligência?

Daniel: Sim, tem outras teorias, essa da inteligência fluida e cristalizada foi feita pelo psicólogo Raymond Cattell, lá em 1940, 1943, bem no início, ele foi praticamente um dos precursores para uma melhor compreensão da inteligência, mas também teve outras teorias, né? Por exemplo, a teoria dos três estratos da inteligência, que tem o famoso estrato geral (fator g). Então, como eu disse, ela era dividida em três estratos: o estrato geral, o estrato amplo e o estrato específico. O estrato geral é aquele mais global, tipo, a pessoa consegue ter um bom desempenho global. O estrato amplo é voltado mais para aquelas habilidades cognitivas específicas, como memória de trabalho, velocidade de processamento, compreensão verbal. E tem aquele específico, que algumas pessoas têm e outras não. Então, é mais ou menos assim, se compararmos a um jogador de futebol, por exemplo, Neymar. Em termos de jogar bola, ele é um ‘gênio’ da bola. Pelé era um ‘gênio’ do futebol, mas se colocarmos o Pelé para fazer uma palestra sobre, sei lá... materiais de construção civil, ele não vai conseguir fazer com a mesma maestria que tem com o futebol. Isso não quer dizer que ele não seja inteligente ou que não seja um gênio no futebol. Significa que há uma parte específica do conhecimento dele em que ele se destaca. É bem nesse contexto. Em termos de mensuração, há uma matéria importante na própria graduação de Psicologia que é a psicometria, que basicamente tenta pegar dados que são subjetivos, muitas vezes, e medir por meio de estatística, através da ciência, da própria matemática. Eu não sou a melhor pessoa para explicar sobre isso. Mas, em termos históricos, há um cara chamado Spearman, que foi o primeiro a conseguir fazer uma teoria matemática para trazer o subjetivo para algo mais concreto. Ele criou a teoria fatorial e bifatorial. Foi dele que surgiu o fator G, o fator global da inteligência.


Gabriella: Maravilha! Tem alguma outra coisa que você queira acrescentar nessa parte ou podemos ir para a próxima?

Daniel: Sim, a gente pode ir para a próxima, tem outras teorias, tem a teoria das Inteligências Múltiplas, que daí entra muito mais o Gardner, né?

Gabriella: Sim

Daniel: Que é a que ele separa em inteligência lógico-matemática, linguística, espacial, corporal-cinestésica, musical, interpessoal, intrapessoal e naturalista, né? Então ele separa em várias categorias. E tem mais teorias, tem a teoria da Inteligência Emocional, que é algo muito popular hoje em dia, tem a teoria triárquica do Robert Sternberg, que separa a inteligência como algo ainda mais concreto, divide em: inteligência analítica, inteligência criativa e inteligência prática, então, teorias da inteligência tem um monte. Quais são as mais populares ou as mais fáceis de entender, aí são outros quinhentos.

Gabriella: E as que tem comprovação também, né? Se eu não me engano, essas que a gente falou agora por último da Inteligência Emocional também são coisas que ainda não estão bem consolidadas pensando cientificamente, né?

Daniel: Bom, então, essa teoria do Gardner mesmo é de 1983. Então, tem um tempo considerável para a gente, né? Ainda mais se for levar em consideração a rapidez que as coisas são feitas hoje em dia, mas, em termos de ciência, é novo. A teoria da Inteligência Cristalizada é do final do século XX, mas é muito mais estudada, muito mais discutida.

Gabriella: Faz sentido, isso é um fator importante também. E seguindo nessa linha, e pensando um pouquinho sobre os seres humanos, eu me lembro de um documentário, chamado Ilha das Flores, e lá tem uma frase que é sempre repetida quando vai se referir aos seres humanos para destacar a capacidade única dos humanos de criar e usar ferramentas, e, portanto, pensar sobre o mundo de maneiras complexas, que é um ser de teleencéfalo altamente desenvolvido com polegar opositor isso diferenciando os seres humanos de outros seres que existiam ali, e eu queria puxar um gancho dessa analogia para pensar na inteligência dos seres num geral.

3.Telencéfalo altamente desenvolvido com polegar opositor¹. O que diferencia a inteligência dos seres humanos da inteligência de outros seres vivos? Existem animais inteligentes (além do homem)?

Daniel: Então, a primeira tentativa mesmo de mensuração de inteligência foi através da observação animal. E vou ser sincero, esqueci o nome do rapaz, que estudou isso, mas a primeira pesquisa que ele publicou, na verdade, a primeira base para começar, foi através do estudo de animais, né. Em questão de inteligência, é muito da forma como você resolve os problemas, né? Tipo, como você uma situação, identifica um problema e você vai e procura uma solução para este problema. E animal mexe muito com essa parte de evolução, né? Então, as baleias, os golfinhos, eles têm a própria forma de comunicação deles que é por ondas sonar. Então, fizeram até uma descoberta pouco tempo, de que as baleias têm sotaque regional. Então, essa parte de comunicação delas tem isso, então as baleias do Sul tem uma comunicação diferente do que das baleias do Norte. Por onde elas trafegam ali... então inteligência, se você for ver até em questão comunicacional os animais têm, que a baleia não tem as cordas vocais que a gente tem, não tem a manipulação fonêmica, silábica... De fato, elas se comunicam por sonar e “cliques”, mas o que vai além disso? Não tem muito, né? Por exemplo, hoje em dia, para entender melhor o comportamento humano, temos muitos laboratórios que usam ratos. Porque, em termos cerebrais, ele é similar ao ser humano. O funcionamento do comportamento do rato é similar ao nosso, mas muito mais simples em termos de complexidade. Então, você analisa o comportamento do rato e, após o experimento, o rato é dissecado para ver o cérebro dele e estudar as alterações psicobiológicas em relação ao comportamento do animal, quais são as diferenças, né? Para entender nossa inteligência como seres humanos, precisamos observar o comportamento animal. Como você mencionou, somos seres com telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor. O cérebro do elefante é enorme, tem muito mais neurônios que o nosso, mas ele não tem polegar opositor. A limitação da inteligência dele está relacionada à sua biologia, ao seu corpo e à sua fisionomia. E os macacos, que também têm polegar opositor? Embora os macacos tenham cérebro com lobo frontal menos desenvolvido que o nosso, o polegar deles também é diferente. O polegar deles é mais abaixo do que o nosso, né? Há também uma diferença na musculatura. Por exemplo, se considerarmos criar uma música ou tocar um instrumento, um macaco nunca conseguiria tocar um instrumento como o violão. Não só pela questão do polegar ou pela inteligência de organizar as coisas, ele pode até conseguir organizar com muito treinamento. Mas há uma questão motora. O músculo e o tendão deles são diferentes dos nossos, pois são mais de ativar e desativar, sem controle sensível. Então, a chance de um macaco pegar um violão, tentar tocar e quebrar é muito maior do que a nossa, porque eles não têm o controle da impulsividade, da intensidade do movimento e a precisão de movimentos finos. Apesar de serem uma espécie próxima, são primatas como os humanos.

Gabriella: Muito interessante! E falando um pouquinho. Agora, a gente falou de uma forma geral sobre a inteligência, né? E a ideia é que nesse próximo bloco. A gente possa discutir um pouquinho alguns outros problemas ou outras questões, né que vem em conjunto dessa ideia e a gente começa a tocar um pouquinho nessa ideia de inteligência.