
Olhares: Leituras e Releituras - A arte como resposta I (1/3)
Qual o papel da leitura e como ela pode influenciar (positivamente) nossas vidas.
Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Fernando Pessoa
A literatura tem um poder único: ela nos transporta para outros mundos, nos faz sentir emoções intensas e nos permite enxergar a vida sob novas perspectivas. Mais do que uma forma de entretenimento, ela pode ser uma ferramenta de transformação pessoal e social, ampliando nossos horizontes e desafiando nossas crenças. Hoje, vamos explorar como as palavras de grandes autores podem impactar e, muitas vezes, transformar nossa maneira de viver e compreender o mundo.
Para aprofundarmos mais em algumas questões desse tema, teremos como convidada de hoje a Psicóloga Juliana Pereira Sousa.
A entrevista está dividida em três blocos de três perguntas e ao final de cada página há um botão que te levará a próxima parte. Aproveite!
Ler, ler, ler
1.“Os livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas.”¹ É interessante falar sobre o poder da literatura na transformação das pessoas, como você analisa essa questão?
Juliana: Olha, a literatura sempre teve um papel muito importante na minha vida, né? Eu cresci lendo livros, meus pais sempre me incentivaram muito, as pessoas das quais eu estava próxima sempre me incentivaram muito, e eu vejo a leitura como um lugar de transformação e aproximação. Que coloca a gente ali em contato com situações e realidades que naturalmente a gente não viveria. Não saberia, né? Então traz para a gente outras experiências. Coloca a gente em contato também com coisas que a gente sente, e talvez não consiga nomear e isso traz uma outra perspectiva, né? Então acho que a cada contato com a leitura que a gente tem, a gente sai com um pouquinho mais de bagagem, né? E com olhar diferente pensando no que o autor queria passar para gente de como aquilo impactou. A depender acho que também do tipo de leitura até mesmo com outros tipos de informação, né? Então eu vejo a literatura como algo muito rico que nos aproxima e nos apresenta a realidades muito diferentes.
Gabriella: Eu super concordo contigo, acho que não tem como você encontrar uma história e sair dela a mesma pessoa que você entrou, né? Então cada história, seja uma biografia, seja uma leitura fantástica. Enfim, qualquer tipo de literatura. Acho que tem esse poder que você tá trazendo, né?
Juliana: Sim, acho que fora que ela aproxima as pessoas também, né? Se você encontra pessoas que tem ali um gosto, um estilo literário parecido, é muito comum as discussões disso e isso pode ser muito rico. E aí, além daquelas perspectivas, aquelas ideias que você teve a partir da sua leitura pessoal, discutir com outras pessoas e ver outros pontos de vistas que aquilo poderia ter só enriquece mais a leitura.
2. Em tempos de conexão rápida e cliques que trazem os resultados imediatos, os livros tornam-se objetos obsoletos para alguns e até mesmo trazem aversão para outros. Para você de onde vem tanto asco a literatura?
Juliana: Olha, acho que vi muitas pessoas não julgando, mas reclamando muita forma como a literatura foi apresentada na vida delas, né? Muitas pessoas têm primeiro contato com livros naquela época em que elas têm que ler aquelas leituras obrigatórias para vestibular. E isso não é apresentado de uma forma agradável, né? É feito como uma obrigação e acaba sendo chato. E aí acho que a partir disso as pessoas olham para leitura como algo que foi obrigatório para elas e não algo prazeroso, devido a forma como isso foi apresentado, e isso tem um impacto muito grande de como aquilo vai se tornar na vida da pessoa, né? Eu acho que hoje em dia a gente tem muitas redes sociais e dentro delas muitos grupos de pessoas, de criadores de conteúdo que incentivam a leitura. Inclusive dessas que a gente vê como obrigatórias ali em algum período da nossa vida, e eu acho que a forma como eles apresentam isso, como eles indicam isso a partir da perspectiva deles, né? Então de como aquela leitura foi para eles é gerando curiosidade nas pessoas, né? Então isso é apresentado de uma outra forma. Eu lembro de uma vez ter esbarrado em algum perfil em que a pessoa falava sobre clássicos, só que ela contava eles como se fosse uma grande fofoca de alguém que morava próximo a ela, né? Então ele ia contando isso como se fosse uma fofoca e no final do vídeo aparecia o livro e a pessoa saía super interessada para entender, ok? Oque que é isso? Então acho que a forma como é apresentado para as crianças a leitura e até porque no nosso país a gente lê muito pouco, né? Eu lembro que uma vez saiu uma matéria que os brasileiros liam, não lembro, acho que em média seis livros por ano alguma coisa assim. Né? E isso é assustador, né? Porque a leitura é algo tão importante, ela é um hábito importante enriquece de tantas formas que eu acho que quanto mais você apresentar ela para as crianças quando pequena de uma forma que seja representativa no sentido de ser um momento de lazer ali, a probabilidade dessa criança levar esse gosto e esse hábito para a vida é muito grande, e ela só tem a ganhar.
Gabriella: Com certeza.
Juliana: Eu acho que informação é algo muito importante na vida de qualquer pessoa até para o desenvolvimento de um pensamento mais crítico.
Gabriella: Sem dúvidas, acho que essa forma de apresentação é o que acaba trazendo mais esse afastamento das pessoas em relação aos livros. Pois quando elas se aproximam das histórias, entendem que tem vários tipos de literatura e não só aqueles muito, vou usar essa palavra, “arcaicos”, né? Quando você falou ali do vestibular, por exemplo, eu lembro que tive que ler Os Lusíadas, eu até tentei gostar na época, mas lia forçada cada página daquela leitura. Me lembro que anos depois eu encontrei de novo essa referência, apresentada de uma outra forma, que para mim foi muito mais interessante e me fez ter vontade de revisitar essa obra com um novo olhar, mas no começo como era obrigatório ler aquilo e com um tempo específico para conseguir fazer uma prova era algo super massante. Então acho que tudo isso realmente atrapalha muito essa conexão e talvez muitas pessoas, que só tiveram esse contato e não tem outras oportunidades de se reencontrar nas leituras, de voltar a ter essa proximidade com livros depois da escola, podem ter esse afastamento maior.
Juliana: Sim, eu lembro que comecei a ler os clássicos da literatura mesmo. Depois de ter passado do ensino médio que aí eu olhei para eles e eu falei: ok, vou ler. E aí eu li Capitães de Areia e Dom Casmurro e assim são as melhores leituras que eu já fiz na vida, são livros incríveis, eu fiquei apaixonada pela escrita do Jorge Amado eu defendo Capitú em todos os lugares e discussões possíveis. Então para mim essa leitura num outro momento de vida de forma espontânea tomou outro lugar, do que quando eu tive que ler por obrigação.
3. O poder das segundas chances. Vale a pena tentar ler algo (novamente) depois de uma primeira tentativa?
Gabriella: Sim, e tudo isso se conecta com nossa próxima pergunta. Eu acho que isso que você trouxe super importante: ler de forma espontânea. Se dar a chance de testar algo que pode funcionar, que talvez, pode ser que a pessoa acabe gostando, encontrando algum tipo de literatura que como a gente falou aqui, existem vários tipos, vários estilos de escrita, estilos de livro então, talvez tenha algum que ainda não tenha sido visto que possa merecer uma segunda chance.
Juliana: Sim, eu não sei se você viu. Mas recentemente as pessoas começaram a falar muito sobre aquele livro Memórias Póstumas. E isso aconteceu por conta de um vídeo nas redes sociais que viralizou e as pessoas começaram a falar sobre ele e as pessoas começaram a consumir o livro para entender o que era história, eu confesso que eu já tentei ler ele umas duas vezes, mas eu não consegui, mas tá na lista para tentar de novo.
Gabriella: Ótimo, sempre vale uma segunda tentativa, eu acho que esse vídeo foi até estrangeiro, né? Se eu não me engano.
Juliana: Sim, a mulher, ela é criadora de conteúdo de livros e ela fez um projeto de que cada letra do abecedário, se eu não me engano, representa um país e aí ela chegou no B (Brasil) e foi ler no caso Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Gabriella: Já passei por isso com Clarice Lispector e valeu super a pena dar uma segunda chance para ela na época, eu não gostei e depois eu adorei, então isso acontece muito.