
Olhares: Nação Dopamina (Parte 2)
Um papo sobre como o excesso de prazer, a dopamina, a neurociência e a biologia interagem
OLHARES
Você está lendo a parte 2 de 3, aproveite!
CENÁRIO ATUAL E PERSPECTIVAS: ALÉM DA DOPAMINA
1. Em sua visão, qual a melhor maneira de equilibrar nossa atenção em meio a tantos estímulos e fontes de prazeres distintas?
Alexandre: Eu acredito que a primeira coisa é a gente ter consciência disso. Ter consciência do que está acontecendo, de onde a gente está em meio a tudo isso. 50% do negócio é você ter consciência disso, se você não sabe oque que tá acontecendo, porque que você está ali vivendo isso tudo, você não vai sair nunca disso, não é? Você vai estar ali sempre servindo o sistema, servindo essas coisas todas que a gente falou. E aí, eu acho que o primeiro passo é isso e o nosso autoconhecimento. Eu preciso lidar com as minhas emoções porque quando eu me sinto frustrado é uma porta de abertura para eu recorrer a essas questões que a gente falou, do like lá nas redes sociais, da validação das pessoas, comprar coisas... Isso vai me trazer uma sensação de bem-estar. Vai me dar um estímulo a mais que eu estou precisando porque eu estou frustrado, estou triste... Mas por que é que eu estou frustrado? Dá trabalho você se autoconhecer, saber qual é a raiz daquela sensação, daquele sentimento que você tem, eu acho que a busca por isso tem aumentado também. Hoje em dia as pessoas têm mais consciência de que a gente precisa cuidar do nosso lado emocional. Assim como a gente faz exame de rotina, de sangue e tal a gente precisa parar para pensar oque que a gente tá fazendo, com os nossos sentimentos, com as nossas emoções, buscar ajuda. Acho que o preconceito hoje é bem menor em relação à psicologia. Antigamente só quem precisava de terapia era "louco". Então acho que as pessoas estão mais abertas a isso hoje. Eu acredito que seja isso. Ter um objetivo na vida, eu acredito que seja importante também para a gente não cair nessas questões todas. Pensar, "O que que eu quero para minha vida? Quais são os meus valores que norteiam a minha vida, o meu caminho?" E a gente sempre reavaliar isso de acordo com o que eu quero para minha vida?, porque você entra na rede social, aí você vê lá a notícia de um cara que comprou, sei lá, um carro ou que construiu um lago no quintal da casa dele, você olha para aquilo, se você tem consciência do que você quer para sua vida oque que tá por de trás daquilo, da compra daquele carro, da construção daquele lago no quintal de casa. Aquilo não vai servir para você, né? Agora se você não sabe o que você quer, que caminho você quer, você vai querer tudo. Você vai querer o lago, você vai querer o carro e essa insatisfação vai só aumentar dentro de você, e aí você fica perdido. Porque você não sabe o que você faz... Você tem ali um monte de opção na sua frente. E desse monte de opção qual a que me serve? Todas. Não dá para ter todas, né? Não dá para ser tudo não. E aí, você tem aquela oferta, gigantesca de coisas e você não sabe o que você quer, né? Aí você fica perdido é como se eu estivesse dentro de uma loja cheia de brinquedos. Só que você não sabe para que você tá ali dentro da loja, né? E aí qualquer brinquedo serve, qualquer coisa serve, né? Eu acho que a gente tem que ter consciência disso e sabe oque te faz bem, oque te faz feliz, né?
Gabriella: Eu comento muito isso para os meus pacientes: ter consciência das coisas representa metade do caminho andado. Então a partir do momento que você entender qual que é o problema, você vai conseguir entender o que está acontecendo na tua vida, e isso te possibilita caminhar em direção a novas coisas, novas resoluções, objetivos. Então, faz todo sentido oque você está trazendo.
Alexandre: E parece que é óbvio, não é? Mas a gente para para pensar em aula, os alunos dizem: "nossa, professor isso que você está falando é óbvio." Às vezes sobre a própria matéria. E é óbvio, é óbvio. Mas a gente não para para pensar nisso, a gente não para para esmiuçar isso. E muitas vezes a resposta das coisas está no óbvio, tá no que a gente sabe, mas a gente não pratica, a gente não faz, não é?
Gabriella: Sim, com certeza esse óbvio precisa ser repetido muitas vezes, na verdade.
Alexandre: Sim para virar talvez um hábito, um costume. E não só um óbvio que passa ali.
Gabriella: Exato, se não a gente acaba caindo no automatismo, que vai totalmente na contramão do que a gente tá falando agora, de consciência de atenção. Então se a gente está no piloto automático nada disso é possível, a gente só passa direto pelas situações e pela vida.
2. Diante disso, quais são os maiores problemas que você enxerga na busca excessiva pelo prazer?
Alexandre: É um pouco do que a gente comentou também, a tendência disso que é o aumento dos casos de ansiedade, de depressão. Das pessoas não conseguirem mais lidar com os próprios sentimentos. E aí eu percebo isso muito nas redes sociais e com os meus alunos. Às vezes uma discussão sobre alguma coisa simples vira algo pessoal, não é? As pessoas não estão sabendo de discernir. Porque que eu tô discutindo sobre aquilo... Muitas vezes eu coloco nessa discussão, parte da minha frustração, parte da minha ansiedade, parte das coisas que eu não resolvi na minha vida. E aí aquilo não vira uma discussão, vira uma briga. As pessoas estão cada vez mais intolerantes e revoltadas com tudo, porque eu acho que falta um pouco de autorreflexão também. E essa dificuldade de concentração eu percebo também nos alunos. Hoje em dia a gente tem a impressão de que os casos de TDAH aumentaram, eu não sei se é o diagnóstico que aumentou de fato, ou se isso é reflexo de tudo isso que a gente vem vivendo, né? Será que as pessoas estão mais hiperativas mesmo ou estão com dificuldade de atenção exatamente porque a concentração tá ruim? Porque a gente tá super estimulado, desde que nasce, desde que nasce você está rodeado de estímulos. E aí de repente você tenta tirar esses estímulos da pessoa e ela não consegue mais viver fora dessa ausência de estímulos. Então, eu não sei se tem a ver com a questão do diagnóstico hoje em dia ser mais fácil, de as pessoas terem mais consciência disso hoje ou se realmente um aumento devido à aquilo que a gente falou, né? Será que é o caminho evolutivo da nossa espécie? Será que a gente vai ser uma sociedade mais hiperativa, com mais dificuldade de atenção de fato? Será que isso vai ser total? Não vai ser só um ou outro caso, mas será que a maior parte das pessoas vão ser assim?
Gabriella: Acho que é uma pergunta super válida e difícil de ser respondida. Então, em termos do TDAH, não sei te dizer em estatísticas, pensando em casos de crianças, de pessoas que já nasceram tendo todo esse acesso a essa enxurrada de informações, de tecnologias... Mas esse boom aparente de diagnósticos ocorre por várias razões. Uma delas é devido ao acesso, que ficou mais facilitado aos diagnósticos. Então a gente tem muitos adultos sendo diagnosticados tardiamente. O TDAH por ser um transtorno de neurodesenvolvimento, ele acompanha a pessoa desde a infância. Então é algo crônico, não basta estar acontecendo, agora precisa acompanhar a pessoa ao longo da vida, né? Então tem essa parte ali, de as pessoas terem mais acesso a isso agora e começarem a desconfiar que talvez elas possam ter esse quadro e buscar atendimento, buscar avaliações neuropsicológicas e se confirmar essa hipótese. Só que o TDAH, ele é complicado porque ele se parece também com muitas outras coisas. Então a gente falou aqui de hiperatividade que também é super comum dentro de quadros ansiosos, né? Então às vezes a pessoa acha que tem TDAH e, na verdade não é. Então isso também acontece bastante, tem muitos diagnósticos errados nesse sentido. Mas acho que pensar nessa linha de para onde estamos caminhando como espécie, de talvez nos tornarmos cada vez mais desatentos, possa ser um padrão, talvez não esteja ligado com TDAH, mas também pode estar, eu vou até pesquisar mais sobre isso também, para ver oque que eu encontro.
Alexandre: É, mas isso que você falou né de ser algo desde a infância. Então se teoricamente é algo que eu já nasço com essa característica, talvez não tenha sido o estímulo, ou os estímulos que vivi, que tenham feito isso se desenvolver ao longo da minha vida, né? Eu já nasci com isso. Então provavelmente não foi a sociedade, não foi o consumismo, não foi nada disso que fez eu ter menos concentração.
Gabriella: Exato, até os psicosestimulantes (medicações para o TDAH), eles acabam agindo justamente nesse sistema de dopamina que tem um déficit para quem tem TDAH realmente, há uma falta. O remédio acaba entrando ali, então tem muitas questões aí no meio, né?
Alexandre: E a questão epigenética também, pode ser algo relacionado a isso, né? O que a gente tá fazendo de ruim, não só essas questões que a gente tem discutido aqui, mas nossa alimentação, o excesso de industrializados, conservantes, tudo isso também tá marcando lá o nosso DNA, né com esses marcadores aqui genéticos e a gente não sabe. Para que caminho isso vai né? A gente não sabe se tem algo nessa linha, e os cientistas não tem muito como saber ainda, né? O marcador aonde está esse marcador? A gente não sabe nem direito, para oque que servem os genes.. Nem todos os genes que existem, imagina saber se ativa se desativa um ou outro, oque que isso desencadeia... Muito difícil.
Gabriella: Ainda tem muito estudo pela frente, e falando nisso. Vamos olhar para o futuro.
3. Olhar para o futuro com esperança: O que podemos esperar de desdobramentos sobre a maneira que encaramos esse tema hoje?
Alexandre: O fato da gente estar discutindo sobre isso e existirem pessoas fazendo ciência a respeito disso, eu acho que é um ponto super importante. Então, tem gente consciente disso. E tem gente que vai saber o que fazer caso isso se torne um problema maior. Então, talvez a ciência consiga uma resposta a longo prazo nos próximos anos para isso, mas assim, em relação aos estímulos que a gente tem hoje, que são fruto do sistema capitalista, dá propaganda, do consumismo, eu acredito que isso não mude. Acho que a tendência é piorar, mas o fato da gente hoje ter mais abertura para discutir essas coisas, sem tanto preconceito, sem taxar, sem rotular as pessoas, eu acho que é muito melhor, e eu vejo isso em sala de aula também. A gente tem muito mais consciência de todas essas questões, de ter a como lidar com uma criança com TDAH, por exemplo. Hoje em dia, a gente precisa saber como lidar, muitas vezes a gente não sabe na prática, né? Mas a gente vai ler, vai tentar entender. No dia a dia, que a gente faz isso. No passado a gente simplesmente ignorava todas essas coisas. Deixava de lado e não lidava. Eu acredito que hoje a gente tendo consciência disso, a gente tá lidando pelo menos. Não sei se dá a melhor forma possível, mas a gente tá lidando e esse são os 50% iniciais, e pelo menos isso a gente já tem. Eu acredito que a tendência seja a gente conseguir lidar melhor com essas questões, não sei agora o caminho evolutivo disso tudo.



